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DONA PET?IA

petunia.jpgTenho em boa conta meu hemisfério cerebral esquerdo; construo direitinho uns silogismos quando quero argumentar; sempre me dei bem em testes de QI mas nunca assisti palestra ou conferência de filósofos: acho-as chatas, de antemão.
Penso na platéia silenciosa e reverente e me imagino espirrando, penso que o ar refrigerado pode pifar, penso – principalmente – em passar duas horas sem fumar e acho que é mais negócio comprar o livro do filósofo (o filósofo sempre documenta o que pensa, para a posteridade; só Sócrates sabia que nada sabia). Ou lê-lo, aos sábados, no jornal. Grandes jornais não nos dão só notícias, diversão e arte – também nos dão filosofia, quase sempre aos sábados.
Mas não chego a reler os livros que andei comprando nos últimos tempos e não recorto – há muitos anos – qualquer artigo que um filósofo de pulso tenha escrito. Ando descrente da Filosofia e dos filósofos, aliás, comecei a achá-los um pouco pálidos e muito repetitivos.
Não sou, pois, uma buscadora convicta da sabedoria. Volto para os gregos – aqueles livrinhos ensebados das estantes – e estou me distanciando das especulações filosóficas do meu tempo, alheia aos cursos, palestras e conferências que poderiam me atualizar; e os convites bem que chegam, tem sempre uma alma amiga que tenta botar pilha: – A Mente Magna vai falar hoje no Espaço Total sobre O Poder Transformador do Olhar Lúcido. Vamos? – Não vou. Penso nas duas horas sem fumar e fico em casa. Penso também nas caras pálidas.
Mas confesso que me amarro num vidente.
Quando ouvi falar de Dona Petúnia – “ela fala pouco, só 15 minutos, mas diz tudo!” – já fui anotando o endereço, pensando em compactar a agenda para tirar uma tarde livre e nem aventei a hipótese de possível palidez.
Assim, na última tarde útil da semana, driblei horários e compromissos e segui para Nilópolis com amiga tão pouco filosófica quanto eu.
A amiga tem mente lógica e estudiosa, é respeitada cirurgiã e corta e costura com a maior competência qualquer problema grave que lhe apareça. Mas também anda meio cansada da inteligência e não busca mais a sabedoria, corre atrás do fenômeno – ou da Dona Petúnia – que talvez possa explicar melhor os mistérios que paralisam a Ciência e que a gente, bolas, quer entender antes de morrer.
Nilópolis é longe para quem mora onde moramos, é reduto da Beija-Flor e não somos chegadas nem em Filosofia nem em Escolas de Samba. Arranjamos um mapa (que nenhuma das duas sabia decifar muito bem) e lá fomos nós. – De carro, em 40 minutos vocês chegam – asseverou a minha faxineira. Levamos mais de 2 horas. As indicações fornecidas pelos pedestres abordados, como costuma acontecer, só nos faziam andar em círculos: “Nilópolis é fácil. Vai reto até encontrar o Bar do Mateus. Aí, vira às direita (gestos enfáticos com a esquerda). Primeiro vai subir, depois descer, não desce até o fim, vira como quem vai pra Anchieta mas não entra em Anchieta, segue em frente que vocês vão dar direto em São João de Meriti”. Sim; e Nilópolis?
As idiotas levaram três vezes o tempo que levariam se tivessem um pouco mais de orientação espacial, um dos requisitos para aferir a inteligência. E, na volta, não lograram diminuir o tempo do percurso: quem disse que um caminho iniciático é mais fácil quando o percorremos pela segunda vez?
A duras penas, chegamos à Dona Petúnia. Que é coradinha, como as pessoas normais devem ser, e nunca ouviu falar em Filosofia.
Mas, gente, Dona Petúnia diz TUDO!!!

14 Responses to “DONA PET?IA”

  1. Idelber says:

    Delicioso relato. Dá aquela vontade de perguntar, o que foi que a Dona Petúnia disse mesmo? Mas claro, o leitor que faça isso parecerá bobo, trapaceado pelo conto. Mérito, então, do relato: nos faz morrer de vontade de perguntar o que não deve ser perguntado :)

  2. Clarice says:

    A ausência de orientação espacial aplicada a endereços desconhecidos, no meu caso, já virou piada de família. O dia que criar coragem de confeitar um blog talvez eu conte. Então, poxa, fico feliz ao saber que esse clube tem uma representante de tão alta linhagem. ;}
    A única vantagem de se perder ou acabar dando a volta à Ilha, quando só se buscava um caminho alternativo, é conhecer coisas que, de modo normal, jamais veria.
    Que as boas previsões se cumpram e que Dona Petúnia se mude para a esquina de sua casa.

  3. Pinto says:

    Tem a sensitiva Zoraide também. E tem uma senhora ali pelas bandas do Horto que também é muito boa.
    :^D

  4. Maria Helena says:

    Idelber,
    Não é conto, é depoimento. Dona Petúnia existe e mora em Nilópolis. Talvez não diga tudo (que dados temos nós para avaliar o “tudo”?) mas chega perto. Fica, talvez, no “quase tudo” e detona a nossa mente lógica.
    Você também se amarra num vidente?

  5. Maria Helena says:

    Clarice,
    Esta deficiência me intriga. Atribuo à carência de alguma vitamina ou sal mineral desconhecidos. Carrego-a comigo desde que nasci e me torna a vida mais difícil, acredite. Costumo me perder no caminho de casa. Mas tem um lado bom, admito. Só os distraídos dão chance ao imprevisto.
    Beijo solidário!

  6. Maria Helena says:

    Dr. P.,
    Zoraide, além de ver e dizer, ainda traz de volta em três dias. Dona Petúnia é menos poderosa e não faz frete. Mas enxerga longe…
    Saudade!

  7. Idelber says:

    Cara Maria Helena,
    Obrigado por esclarecer. Quanto às videntes, eu adoto a postura García Márquez com as bruxas (no creo en las brujas, pero que las hay, las hay): ou seja, não me amarro (valha o duplo sentido de ‘amarrar’), mas que deixo de escutar com atenção, não deixo não… :)

  8. Fran Pacheco says:

    Oi, Maria Helena. Seu blog novinho em folha começou muito bem – espero que D. Petúnia (pode fumar durante a preleção?) tenha previsto vida longa para ele. Abraços.

  9. Maria Helena says:

    Fran,
    No gabinete de Dona Petúnia não se pergunta e não se fuma. Só ela fala (e defuma).
    Nada foi dito sobre escritos mas falou em mega-sena. Acredito.
    Suas últimas palavras ficaram gravadas e merecem divulgação – “São trinta reais, minha filha”.

  10. Leo, a tal senhora do Horto eu conheço. Muito boa, ela. Ainda faz macarrão pros clientes depois da meia-noite…rs

  11. Maria Helena says:

    Paula, querida,
    O famoso macarrão anda virando sanduíche. Ó Tempo, que corróis os costumes! Muito trabalho gera pouca disponibilidade. Seres espirituais – como os Papas – usam luvas: para mostrar que não trabalham; portanto têm tempo para exercitar a generosidade. Ou o macarrão da madugada.
    O cardápio muda (para pior). O carinho continua o mesmo.

  12. Dulcinha says:

    Oi Maria Helena!
    Esse teu texto foi um bálsamo pro meu dia, aliás, pra minha semana. Menina, em determinados momentos uma Dona Petúnia é a salvação pra uma cabeça cansada de tanta reflexão que tem que ser produtiva, senão é piração total. Nunca tinha pensado nisso, mas agora, vou já pensar numa não-racionalidade eventual, imprevisível e experimental como essa! Só vou tentar encontrar um enederecinho mais acessível….
    Bjos pra ti.

  13. Maria Helena says:

    Dulcinha,
    A não-racionalidade deveria ser não eventual mas trivial. Cotidiana. Uns jovens sábios, por aí, andam prevenindo que pensar enlouquece.
    Já Dona Petúnia rejuvenesce. Pense nisso.
    Beijo grande!

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